Qualidade da Carne no Porco Bísaro submetido a imunocastração - Guião técnico nº 4
Grupo Operacional ICas_Bísaro - Protocolos de Imunocastração para porcos Bísaros (Parceria n.o - 104 / Iniciativa n.o - 213), financiado através do Programa de Desenvolvimento Rural (PDR 2020). Esta iniciativa insere-se na Área nº 1 (Inovação e Conhecimento), medida nº 1 (Inovação) e Ação 1.1./2016 (Grupos Operacionais) do PDR 2020. Tem como Prioridades identificadas por ordem de relevância: i) Aumento da eficiência dos recursos na produção agrícola e florestal; ii) Melhoria da gestão dos sistemas agroflorestais; iii) Melhoria da integração nos mercados; iv) Valorização dos territórios.
Nº dos parceiros que integram o grupo operacional, segundo o código do Projeto:
PDR2020-101-031029 - UNIVERSIDADE DE TRÁS OS MONTES E ALTO DOURO [Líder] PDR2020-101-031034 - BISARO - SALSICHARIA TRADICIONAL LDA [Parceiro]
PDR2020-101-031033 - ASSOC. NAC. CRIAD. SUINOS RACA BISARA [Parceiro]
PDR2020-101-031032 - CORANE - ASSOCIAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO DOS CONCELHOS DA RAIA NORDESTINA [Parceiro]
PDR2020-101-031030 - ALBERTO JOÃO AFONSO FERNANDES [Quinta do Bísaro; Parceiro] PDR2020-101-031031 - QUINTA DAS COVAS - SOCIEDADE AGRO-TURISTICA, LDA [Parceiro]
Autores:
Sofia Botelho Fontela
Rita Payan Carreira
Pedro Fernandes
Gustavo Paixão
Cristiana Castelo
António Silva
Alexandra Esteves
1. Enquadramento
A carne é um produto importante na alimentação humana, visto ser uma excelente fonte de proteína e aminoácidos essenciais. O consumo de carne de suínos viu um ligeiro decréscimo nos últimos anos. Apesar disso, está em segundo lugar no tipo de carne mais consumida em Portugal com 42,1 kg/habitante/ano (INE, 2021), perdendo para a carne de aves de capoeira. O grau de aprovisionamento em Portugal de carne de suíno ronda os 80% (2021), mas a expressão das raças autóctones neste valor é praticamente residual. O porco bísaro é caracterizado pelo seu crescimento lento e excessiva deposição de gordura, que não se coaduna com as expectativas do vulgar consumidor. No entanto, um nicho de consumidores aprecia as carnes destes animais par além destas serem a base de produtos de valor acrescentado (produtos de salchicharia tradicional), de Denominação de Origem Protegida (DOP), Indicação Geográfica Protegida (IGP) e Especialidade Tradicional Garantida (ETG), que são muito apreciados pelos consumidores, e comercializados internacionalmente.
1.1. A Qualidade da Carne
Em vida, as fibras musculares do animal permitem-lhe a conversão de energia química em energia mecânica, mas após o abate ocorrem transformações bioquímicas que dão origem ao produto denominado por carne. A carne é composta por vários elementos, como tecido muscular, adiposo e conjuntivo, e em menor quantidade em tecido nervoso e vascular. Todos estes elementos contribuem para as suas qualidades organoléticas. A qualidade da carne pode ser avaliada em várias vertentes: higiénica, tecnológica, nutritiva e sensorial. Neste trabalho focamo-nos na sua componente tecnológica e sensorial, visto serem parâmetros de grande relevância para o consumidor final.
Os parâmetros mais importantes para a avaliação da qualidade física da carne são o pH, a cor, a textura e a capacidade de retenção de água.
- O pH é um parâmetro determinante da qualidade da carne, visto ter uma forte influência nos outros fatores mencionados. A carne pode ser categorizada em PSE (pálida, mole e exsudativa), RSE (rosa-avermelhada, mole e exsudativa), RFN (rosa-avermelhada, firme e não exsudativa) e DFD (escuras, firmes e secas). Quedas bruscas de pH, normalmente relacionadas com stresse pré-abate, levam a alterações na qualidade da carne. Estas alterações, por sua vez, levam ao desenvolvimento de carnes de inferior qualidade. Quando não há arrefecimento adequado da carcaça após abate, e a diminuição do pH é brusca, a carne apresenta menor capacidade de retenção de água e rendimento para processamento, ou seja, origina carnes PSE. Assim, determina-se que a velocidade do decréscimo do pH tem uma forte influência tanto na capacidade de retenção de água e tenrura, como na cor, sabor e aroma, e conservação da carne. No outro extremo uma carne com um pH final elevado (DFD), é normalmente de difícil processamento e conservação.
- O consumidor atribui especial importância à cor da carne quando efetua a sua compra, daí ser um parâmetro muito estudado. O sistema CIELAB relaciona a cromaticidade com a luminosidade, convertendo para coordenadas padrão de expressão de espaço de cor L* (luminosidade), a* (vermelha) e b* (amarelo). A partir das coordenadas a* e b* é também possível determinar dois valores relacionados com a pigmentação (mioglobina e oxidação da mioglobina). - Outro parâmetro importante para o consumidor é a textura da carne. A aceitabilidade do produto por parte do consumidor passa muito pela sua palatabilidade e tenrura, fatores ligados à sua textura. A avaliação deste parâmetro foi efetuada por métodos instrumentais, que simulam a força realizada no corte e/ou na mastigação e por métodos subjetivos, através de análises sensoriais.
- Visto a água ser um dos constituintes principais da carne, a sua quantidade na carne fresca é uma propriedade marcante. A importância deve-se principalmente à sua forte influência no valor nutritivo, já que há libertação de proteínas solúveis, vitaminas e minerais nos exsudados. Existem vários fatores que influenciam a capacidade de retenção de água, como o stresse pré-abate, métodos de atordoamento, velocidade de arrefecimento da carcaça, idade dos animais e decréscimo rápido do pH. A água libertada pode ser classificada como perdas por exsudação, descongelação ou cocção. Quando o músculo é convertido em carne, existem alterações na capacidade de retenção de água, resultando na libertação de um exsudado sem aplicação de forças externas. Estas perdas por exsudação dependem de vários fatores, alguns intrínsecos (genética ou tipo de músculo), outros extrínsecos, como o maneio antes do abate e a velocidade de arrefecimento da carcaça. Perdas por descongelação, tal como o nome indica, são as perdas que ocorrem após a conservação do produto a temperaturas negativas, e aquando do seu descongelamento para consumo existe a libertação de um exsudado, mais uma vez com perda nutritiva e de qualidade. As perdas por cocção estão relacionadas com as perdas de água no momento da confeção, e influenciam a cor, força de corte e suculência do produto. Havendo perdas elevadas, o produto torna-se mais seco e escuro, levando à sua depreciação. Em termos de características químicas, consideraram-se relevantes as percentagens de humidade, cinzas, proteína e gordura.
- A percentagem de humidade tem especial importância pois define-se como teor de água existente na carne. Este parâmetro é indicador da qualidade do produto, na medida em que influencia diretamente a sua textura e sabor. Para além disso, está também interligado com a quantidade de gordura intramuscular visto que, quanto mais desenvolvido estiver o músculo, maior será o teor de água e menor o teor de gordura.
- As cinzas correspondem aos resíduos inorgânicos presentes na amostra após a combustão da matéria orgânica, apesar de poderem não corresponde à componente mineral na sua totalidade por alguma volatilização ou interação com outros constituintes da amostra.
- A percentagem de proteína varia de acordo com a peça de carne estudada, influenciando certos parâmetros como a cor, capacidade de retenção de água e dureza, e está diretamente ligada à quantidade de proteína presente na alimentação dos animais.
- No porco, especialmente no Bísaro, a maior parte da gordura é subcutânea. No entanto, o tipo de gordura mais relevante do ponto de vista organolético é a gordura intramuscular. Esta confere sabor e suculência ao produto, e está intrinsecamente ligada à conservação da carne também. Este parâmetro é influenciado não só pela dieta e peso dos animais, como o sexo. A qualidade da carne deve ser então avaliada através do conjunto das suas características, e não somente cada uma em isolado. As interações entre parâmetros levam a alterações significativas na qualidade dos produtos, que devem ser ponderadas na cadeia de produção.
2. Efeito da Imunocastração na Qualidade da Carne
2.1. Machos jovens
O protocolo com 5 inoculações de Improvac® originou uma marcada redução no tamanho testicular dos animais imunocastrados.
Relativamente aos parâmetros de qualidade estudados:
- A nível de parâmetros físicos da carne, foram encontradas algumas diferenças entre animais imunocastrados e castrados cirurgicamente. A cor da carne dos animais imunocastrados é mais vermelha, e tem mais perdas de cozedura do que o outro grupo. Em relação às características químicas, estas são mais semelhantes às dos animais castrados cirurgicamente do que aos animais inteiros, nomeadamente os valores de humidade e % de proteína. Já a % de gordura intramuscular dos animais imunocastrados foi mais semelhante à dos animais inteiros, ou seja, menor do que nos animais castrados cirurgicamente. Este resultado leva-nos a supor que que a deposição de gordura nestes animais é menor. Esta é uma característica vantajosa, já que o Bísaro é uma raça com valores de gordura demasiado elevados, e indesejados.
2.2. Adultos reprodutores
Após a efetuar os protocolos com inoculação de Improvac® em animais adultos de refugo, foi feito o estudo aos parâmetros de qualidade da carne. - Os machos adultos imunocastrados (2 inoculações de Improvac®) não apresentam diferenças nos parâmetros de qualidade da carne, indicando que a imunocastração não tem efeitos depreciativos na carne de varrascos de refugo. - Nas fêmeas de raça bísara, os protocolos de imunocastração testados provocaram a regressão do aparelho reprodutivo. Em termos de qualidade da carne, não foram encontradas diferenças, mostrando que os tratamentos não tem efeitos deteriorativos. A diminuição marcada do aparelho reprodutivo, aliada à não funcionalidade dos ovários, parece indicar que os protocolos de imunocastração testados são eficazes na castração das fêmeas.
3. Recomendações
Através dos trabalhos realizados em âmbito do Projeto ICAS-Bísaro, para validação de protocolos de imunocastração para o porco Bísaro, tendo em conta a qualidade da carcaça e da carne, compilámos alguns pontos importantes:
- Procurar junto da ANCSUB o apoio para a implementação do protocolo de imunocastração de acordo os objetivos de abate;
- Manter os animais separados em lotes, por peso e sexo;
- Procurar minimizar condições de stresse;
- Controlar com rigor a temperatura da carcaça e da carne após o abate.
Estes conselhos têm em vista facilitar a introdução da imunocastração no maneio normal das explorações, e manter a qualidade característica dos seus produtos. Qualquer dúvida que surja, ou necessidade de acompanhamento personalizado, aconselhamos o contacto com a Associação de Criadores de Suínos da Raça Bísara (ANCSUB) que, desde a sua criação até aos dias de hoje, são um dos maiores pilares na produção desta raça autóctone característica do norte do país.
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