O cheiro a varrasco no Porco Bísaro e a perceção do consumidor
Guião técnico nº 5
Grupo Operacional ICas_Bísaro - Protocolos de Imunocastração para porcos Bísaros (Parceria n.o - 104 / Iniciativa n.o - 213), financiado através do Programa de Desenvolvimento Rural (PDR 2020). Esta iniciativa insere-se na Área nº 1 (Inovação e Conhecimento), medida nº 1 (Inovação) e Ação 1.1./2016 (Grupos Operacionais) do PDR 2020. Tem como Prioridades identificadas por ordem de relevância: i) Aumento da eficiência dos recursos na produção agrícola e florestal; ii) Melhoria da gestão dos sistemas agroflorestais; iii) Melhoria da integração nos mercados; iv) Valorização dos territórios.
Nº dos parceiros que integram o grupo operacional, segundo o código do Projeto:
PDR2020-101-031029 - UNIVERSIDADE DE TRÁS OS MONTES E ALTO DOURO [Líder] PDR2020-101-031034 - BISARO - SALSICHARIA TRADICIONAL LDA [Parceiro]
PDR2020-101-031033 - ASSOC. NAC. CRIAD. SUINOS RACA BISARA [Parceiro]
PDR2020-101-031032 - CORANE - ASSOCIAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO DOS CONCELHOS DA RAIA NORDESTINA [Parceiro]
PDR2020-101-031030 - ALBERTO JOÃO AFONSO FERNANDES [Quinta do Bísaro; Parceiro] PDR2020-101-031031 - QUINTA DAS COVAS - SOCIEDADE AGRO-TURISTICA, LDA [Parceiro]
Autores:
Sofia Botelho Fontela
Ricardo Pereira Pinto
Rita Payan Carreira
Pedro Fernandes
Manuela Vaz-Velho
Luís Patarata
Gustavo Paixão
Cristiana Castelo
Alexandra Esteves
1. Enquadramento
1.1. Os Compostos responsáveis pelo Cheiro Sexual
A castração física de leitões machos é uma prática comum em muitos países com o intuito de limitar a agressividade típica dos machos inteiros e de se obter uma carne com mais gordura e isenta de odor a varrasco.
O odor a varrasco, também designado por cheiro sexual, é um aroma desagradável que se torna particularmente intenso quando a carne está a ser cozinhada, que também pode ser detetado aquando do seu consumo, e está associado à presença de dois compostos: a androstenona e o escatol.
A androstenona é uma hormona esteroide sintetizada nos testículos que é transportada pela corrente sanguínea até às glândulas salivares, onde atua como uma feromona. Para descrever este aroma, trabalhos desenvolvidos por painéis sensoriais descreveram-nos como um cheiro doce, ácido, similar a urina e suor. De relevar apenas uma fração da população tem a capacidade de detetar este aroma, sendo as mulheres mais sensíveis que os homens. O escatol é um metabolito derivado do triptofano e produzido pelas bactérias intestinais, cujo aroma é frequentemente descrito como fecal e, ao contrário da androstenona, mais de 99% da população o consegue detetar.
Devido às propriedades lipofílicas destes compostos, a sua acumulação é feita principalmente no tecido adiposo. Apesar da eliminação do escatol ser feita através do fígado, é conhecido que a androstenona inibe este processo, tornando os machos inteiros propensos a acumular maiores quantidades de escatol na gordura. O escatol pode também ser reabsorvido por contato na pele ou por inalação devido à acumulação de fezes no solo, tornando o mau odor na carne um fenómeno não exclusivo dos machos, mas também em algumas fêmeas criadas em regimes intensivos com más condições de maneio.
A deteção do odor a varrasco tem sido feita tradicionalmente pelo método do ferro quente nas linhas de abate, onde os compostos são volatilizados pelo contato de uma superfície quente na gordura, facilitando a sua deteção por via nasal. Porém, este método é subjetivo e dependente da capacidade de uma pessoa treinada em cheirar centenas de amostras de gordura de carcaças durante o período de abate e desmancha. Outro método é a análise sensorial com provadores treinados, que não é praticável em tempo real. Estes métodos têm também a limitação de não permitir a quantificação dos teores de escatol e androstenona.
Os métodos mais fiáveis para a determinação dos compostos responsáveis pelo odor a varrasco são a cromatografia líquida com espetrometria de massa (LC-MS), cromatografia gasosa (GC-MS) ou por cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC). Embora estes métodos sejam fiáveis, exatos e reprodutíveis, têm a desvantagem de não poderem ser utilizados nas linhas de abate devido ao tempo necessário para preparação das amostras e posterior análise, para além dos custos associados aos mesmos. Um dos maiores desafios da atualidade neste tema está relacionado com a descoberta de um método que seja capaz de detetar o odor a varrasco nas linhas de abate que seja rápido, fiável e economicamente viável.
No projeto ICas_Bísaro os teores de escatol e androstenona foram obtidos através de um método de análise por HPLC com deteção por fluorescência que permite a quantificação simultânea destes compostos, desenvolvido pelo Centro de Investigação e Desenvolvimento em Sistemas Agroalimentares e Sustentabilidade (CISAS) do Instituto Politécnico de Viana do Castelo. Em traços gerais, amostras do tecido adiposo da região do cachaço são recolhidas post-mortem e processadas de modo a isolar e quantificar estes analitos.
1.2. Análise Sensorial
Uma das melhores maneiras de se avaliar a qualidade de um produto é registar as sensações experimentadas pela pessoa que o prova. A análise sensorial está baseada nesta premissa, e é uma ferramenta útil para acompanhar as tendências do mercado de consumidores, cada vez mais seletivo e exigente.
Existem várias formas de se realizar a análise sensorial. Quais os consumidores que vão provar o produto é um dos parâmetros mais importantes aquando da decisão do método a utilizar. Se quisermos ter uma análise mais especializada e fidedigna, o melhor é a utilização de um painel treinado. Os provadores possuem treinos alargados para uma ou várias características pretendidas, e a sua avaliação de cada parâmetro é realizada com exatidão e precisão. Quando se pretende apenas uma avaliação geral de um produto, para saber a opinião do consumidor final, são feitas provas com um grupo de consumidores. Estas têm de ser realizadas com um número alargado de participantes, e preferencialmente um grupo heterogéneo (diferentes idades, sexos, profissões, etc).
O treino de um painel varia muito de acordo com o objetivo pretendido do estudo. Se o enfoque for nas características de sabor e cheiro, como o caso dos trabalhos desenvolvidos neste projeto, todo o treino será direcionado para esses parâmetros. São feitas várias provas iniciais para identificação de cheiros comuns e gostos básicos, para determinar a acuidade sensorial do provador. Depois é iniciado um treino específico para as características que vamos procurar no nosso produto (neste caso, cheiro/sabor atribuível à presença de androstenona e/ou escatol). Através de várias soluções e métodos de apresentação destes compostos, os provadores são selecionados de acordo com o seu desempenho, e tornam-se capazes de detetar quantidades muito baixas destes compostos nas amostras fornecidas.
Dependendo do objetivo e do tipo de painel, realizaram-se diferentes testes neste na avaliação sensorial das amostras de carne/ produto transformado neste projeto. Concretamente provas triangulares, provas descritivas analíticas e CATA (Check All That Apply).
- As provas triangulares e descritivas analíticas foram realizadas pelo painel de provadores treinado, consistindo na apresentação de 3 amostras ao provador, sendo uma diferente das outras duas. O objetivo desta prova é verificar se existem diferenças organoléticas entre os produtos estudados, e o provador pode ainda dizer em que sentido são diferentes.
- As provas descritivas analíticas são feitas através de pontuações a cada parâmetro estudado (como o cheiro e sabor a varrasco, suculência da carne, facilidade de mastigação, etc). Esta escala de pontuação é previamente treinada para que todos os resultados sejam fidedignos.
- A prova CATA, neste caso, foi realizada com um painel de consumidores. Consiste na apresentação de várias amostras do produto no mesmo prato, com ordens aleatórias, em que o provador tem de provar as amostras e selecionar na ficha de prova todas as características que se adequam. É possível observar se o consumidor tem ou não sensibilidade sensorial para encontrar a característica específica pretendida, e as implicações que isso tem no consumo e comercialização do produto final.
2. Efeito da Imunocastração
2.1. Machos jovens
O protocolo com 5 inoculações de Improvac® originou uma marcada redução no tamanho testicular dos animais imunocastrados.
- Relativamente aos compostos responsáveis pelo cheiro sexual, foram estudados os níveis presentes na gordura dos animais inteiros, imunocastrados e castrados cirurgicamente. Visto que a androstenona é um esteroide sexual produzido nos testículos, este composto não está presente nos animais castrados cirurgicamente. Dos 11 animais imunocastrados estudados, apenas 2 apresentavam vestígios de androstenona na sua gordura, em níveis considerados abaixo do limite de deteção. Os animais inteiros, como seria de esperar, possuem níveis muito elevados de androstenona, e também de escatol. Este último, apesar de estar presente também nos animais imunocastrados e castrados cirurgicamente, os seus valores não diferem entre si, estando também abaixo dos níveis de deteção.
- Provas de análise sensorial levadas a cabo por um painel de provadores treinado na deteção do cheiro a varrasco encontram-se de acordo com os resultados obtidos na quantificação dos compostos responsáveis pelo cheiro sexual. Os provadores não detetaram diferenças entre as carnes de animais castrados cirurgicamente e imunocastrados, para além de não ter sido detetado cheiro sexual. Já as carnes dos animais inteiros foram as mais depreciadas pelo painel, nomeadamente pelo cheiro forte identificado como cheiro sexual.
2.2. Adultos reprodutores
Após a efetuar os protocolos com inoculação de Improvac® em animais adultos de refugo, foi feito o estudo aos compostos responsáveis pelo cheiro sexual e análise sensorial da carne.
- Os machos adultos imunocastrados (2 inoculações de Improvac®) possuem valores muito mais baixos de androstenona e escatol do que os animais que não receberam nenhum tipo de tratamento. Contudo o painel treinado de provadores conseguiu detetar a presença de cheiro sexual nas carnes dos animais imunocastrados. Sugerimos em consequência a administração de uma terceira inoculação por forma a prolongar os efeitos da imunocastração e permitir um decréscimo mais acentuado destes compostos.
- Nas fêmeas de raça bísara, os protocolos de imunocastração testados provocaram a regressão do aparelho reprodutivo. Em termos de avaliação da análise sensorial, não foram encontradas diferenças. Apesar de também não se encontrarem diferenças a nível dos componentes responsáveis pelo cheiro sexual, a diminuição marcada do aparelho reprodutivo, aliada à não funcionalidade dos ovários, parece indicar que os protocolos de imunocastração testados são eficazes na castração das fêmeas.
3. Recomendações
Através dos trabalhos realizados em âmbito do Projeto ICAS-Bísaro, para validação de protocolos de imunocastração para o porco Bísaro, tendo em conta o cheiro a varrasco e os resultados da avaliação sensorial dos produtos, compilámos alguns pontos importantes:
- Procurar junto da ANCSUB o apoio para a implementação do protocolo de imunocastração de acordo os objetivos de abate;
- Manter os animais em condições adequadas de higiene – promove a diminuição dos níveis de escatol;
- A suplementação com beterraba mostrou bons resultados tendo possivelmente sido responsável pela diminuição dos níveis de escatol;
- Procurar minimizar condições de stresse;
Estes conselhos têm em vista facilitar a introdução da imunocastração no maneio normal das explorações, mantendo a qualidade característica dos seus produtos. Qualquer dúvida que surja, ou necessidade de acompanhamento personalizado, aconselhamos o contacto com a Associação de Criadores de Suínos da Raça Bísara (ANCSUB) que, desde a sua criação até aos dias de hoje, são um dos maiores pilares na produção desta raça autóctone característica do norte do país.
4. Bibliografia
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