O porco bísaro
Notícia publicada no Café Portugal em 13-05-2013
O porco bísaro, proveniente de terras transmontanas, é sustento da casa Fernandes há três gerações. Da criação do porco à transformação, a iniciativa chega agora ao turismo. No Museu do Bísaro, um espaço virtual, é possível explorar a ligação deste animal ao Homem e ao território. Fá-lo em diversas dimensões, das tradições, aos contos e usos culinários.
Sara Pelicano; fotos - Museu do Bísaro | segunda-feira, 13 de Maio de 2013
Na paisagem serrana das terras transmontanas alimenta-se o porco bísaro, animal de bom porte, dorso malhado de branco e preto. Uma espécie que terá chegado a estas terras nortenhas, em tempos recuados, pela mão do povo Celta, no século VI a.C..
Uma ligação ao território e às gentes que sucessivamente nele habitaram que explica o protagonismo desde porco no campo alimentar (onde para além dos enchidos, presta-se a excelentes sopas, arrozes, bolas e folares), mas também no imaginário local, nas lendas, provérbios, na medicina popular e inclusivamente nos jogos.
Esta relação de proximidade, entre homem, animal e território, está patente desde há um ano no Museu do Bísaro. Trata-se de uma mostra virtual que proporciona uma viagem pelo mundo do porco, navegando por conteúdos diversos e imagens. Entretanto, a iniciativa privada ganhou corpo e materializou-se num espaço físico em Gimonde, Bragança.
Iniciativas que contam com o empenho da família Fernandes há muito ligada à criação do bísaro. «Os meus pais tinham uma mercearia onde comercializavam produtos regionais e também tinham a exploração agro-pecuária. Com o tempo dedicaram-se à confecção de enchidos», explica Alberto Fernandes, um dos responsáveis pelo Museu do Bísaro.
Um saber que foi sendo transmitido dentro da família. Hoje, a terceira geração alia à criação do animal e aos produtos obtidos a partir deste, uma outra componente, a turística. A família Fernandes faz a divulgação do bísaro numa quinta, onde é possível observar os animais no seu habitat. Uma mostra que se completa com artefactos associados à criação deste animal, assim como uma componente ligada à degustação e venda de produtos provenientes do bísaro. «No futuro, pensamos ter uma sala multimédia», acrescenta Fernando.
Para já, no Museu do Bísaro, o visitante pode conhecer muitas tradições associadas ao animal. Uma delas é a matança. Sobre este momento de festa nas zonas rurais do país, escreveu Rebelo Bettencourt, no «Em Louvor do Vinho de Cheiro»: «…Fui à matança dum porco…/ Foi uma festa de estalo!/ Se os torresmos eram bons/ O Vinhão era um regalo/ Que direis do sarrabulho/ Temperado com pimenta?/- Não tenho medo ao diabo/ O petisco é que me tenta!...».
Para além da matança, o Museu do Bísaro destaca aspectos etnográficos associados ao porco, presente em jogos, lendas, provérbios e crenças. O povo inspirou-se muitas vezes neste animal para construir provérbios e ditos: «Boa carne é a da perdiz. Mas se o porco avoasse. Não havia carne que lhe chegasse».
No Entrudo, o porco tem também grande destaque. O Museu do Bísaro explica que «segundo Ernesto Veiga de Oliveira, em Festividades Cíclicas em Portugal, o prato de ocasião [do Entrudo] é a orelheira de porco, come-se também, na mesma altura, focinho, rabo e pé de porco, presunto toucinho e salpicão, e ainda, se o há sarrabulho».
Um porco que também «visita» muitas brincadeiras. Exemplo desta dimensão lúdica é o «jogo da porca»: «Abre-se no chão uma cova na qual um rapaz chamado porqueiro, deita uma bola de madeira que representa a porca. Em volta, à distância de três ou quatro metros, cada um dos jogadores faz uma cova mais pequena a que dão o nome de “chôna” para a distinguir da outra denominada “curro”. O porqueiro atira a porca ao ar, gritando: “lá vai, lá vai baleira, quem a quer, quem a cheira!”. Os outros munidos de varapaus procuram a todo o transe levar a porca para longe enquanto o porqueiro se esforça por metê-la no curro, tendo o cuidado de ver se pode apanhar alguma chôna vaga, o que, se fizer, deixa o dono porqueiro. Se qualquer porqueiro abandonar o jogo, devido ao cansaço, é castigado com o bata-cú. Colocam os paus em cruz sobre o curro e, fazendo-o assentar, procuram enterrá-lo nele».